Resumo

O acesso à saúde e às políticas públicas em áreas remotas é um desafio relevante aos sistemas públicos no Brasil, dada sua dimensão e diversidade territorial. Este artigo tem como proposta apresentar o modelo teórico-lógico elaborado para avaliar o acesso da população ribeirinha à rede de urgência e emergência (RUE) em cenário amazônico, com vistas a fortalecer o planejamento, o monitoramento e a avaliação em saúde voltados para populações específicas. O ponto de partida metodológico foi a revisão temática sobre o acesso à saúde e o contexto amazônico na sua inter-relação com a proposta da pesquisa, que foi problematizada em encontros com colaboradores.
Em seguida, buscou-se compreender e analisar os componentes teórico e lógico do modelo e adaptá-los à tríade donabediana – estrutura, processo e resultado. O resultado configurou a construção do modelo propriamente dito, com centralidade nas características que representam a oferta dos serviços (sócio-organizacional) e que retratam principalmente o espaço (geográfico). Esses pontos de construção do modelo demonstram sua contribuição para subsidiar outros processos avaliativos e o impacto final na tomada de decisão para qualificar o acesso da população ribeirinha à saúde em momento de sofrimento agudo, auxiliando na superação das condições que segregam essas populações.

Palavras-chave: Avaliação dos serviços de saúde. Metodologia de avaliação. Região amazônica. Populações rurais.

Resumen

El acceso a la salud y a las políticas públicas en áreas remotas es un desafío relevante para el sistema público en Brasil dada su dimensión y diversidad territorial.
El objetivo de este artículo es presentar un modelo teórico-lógico desarrollado para validar el acceso de la población ribereña a la red de urgencia y emergencia en el escenario amazónico,
para fortalecer la planificación, la vigilancia y la evaluación de los resultados de salud de poblaciones específicas. El punto de partida metodológico fue la revisión temática sobre
el acceso a la salud en el contexto amazónico, en especial su interrelación con la propuesta de investigación, que fue problematizada en reuniones con colaboradores. Después, se buscó comprender y analizar los componentes teórico y lógico del modelo y adaptarlos a la tríada donabediana –estructura, proceso y resultado. El resultado configuró la construcción del modelo propiamente dicho, con foco en las características que representan la prestación de los servicios (social-organizacional) y que retratan principalmente el espacio (geográfico). Estos puntos de construcción del modelo destacan su contribución para subsidiar otros procesos evaluativos y el impacto final en la toma de decisiones para calificar el acceso de la población ribereña a la salud en un momento de sufrimiento agudo, ayudando a superar las condiciones que segregan a estas poblaciones.

Palabras clave: Evaluación de los servicios de salud. Metodología de evaluación.
Región amazónica. Poblaciones rurales

Abstract

Access to health and public policies in remote areas is a major challenge for public systems in Brazil, given its dimension and territorial diversity. This article presents a
theoretical-logical model designed to assess the ribeirinho population’s access to the urgency and emergency network in the Amazon as to strengthen health planning, monitoring, and evaluation aimed at specific populations. Starting from a thematic review on access to health and the Amazon in its interrelation with the research proposal, which were problematized in meetings with collaborators, the research sought to understand and analyze the model’s theoretical and logical components and adapt them to the Donabedian triad (structure, process and result).
This resulted in the model itself, centered on service provision (socio-organizational) and the space (geographic). These points demonstrate its contribution to support other evaluation processes and the final impact on decision-making to qualify this population’s access to health under acute suffering, helping to overcome current restrictive conditions.

Keywords: Health services assessment. Assessment methodology. Amazon region. Rural populations.

INTRODUÇÃO

A saúde foi garantida constitucionalmente como um direito de todos, mas ainda há barreiras para o acesso aos serviços dessa área. Esse tema persiste como um assunto central de preocupação entre gestores e profissionais de saúde, principalmente quando se pensa em como diminuir os obstáculos para que todas as pessoas possam utilizar o sistema de saúde, visto que hoje o acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS) é desigual e excludente. No Brasil, a formação histórica e cultural se deu de modo muito distinto entre as regiões. Assim, é de se esperar que tais diferenças marquem igualmente a implantação do sistema de saúde nos distintos cenários, embora exista a garantia de cobertura universal do SUS.

As iniciativas em nível local, na maioria dos municípios brasileiros, têm revelado inúmeros desafios por três motivos: (1) por serem majoritariamente de pequeno porte, o que dificulta o planejamento e a organização de seus sistemas de saúde quando envolve mudanças estruturais; (2) porque há uma distribuição desigual da oferta de recursos humanos e da capacidade instalada; e (3) pelas características dos governos municipais e da gestão dos sistemas locais. O pacto federativo, por sua vez, não tem alcançado êxito em produzir relações de cooperação e corresponsabilidade entre as esferas de governo, prejudicando a implementação do SUS e o acesso da população.

Uma das estratégias de oportunizar o acesso à saúde de forma mais equânime e apoiado na realidade de vida das pessoas foi a proposição das Redes de Atenção à Saúde (RAS). No Brasil, desde os anos 2000, o tema tem sido tratado de forma crescente, com indução da centralidade do acesso nas RAS mostrada nas experiências pioneiras no estado do Ceará e na cidade de Vitória. A estratégia adota o formato atual, proposto pelo Decreto 7.508,
de 28 de junho de 2011. No Amazonas, as RAS começaram a ser implantadas em 2011,
com destaque para a experiência na região do Alto Solimões, que foi pioneira e destaque estadual. O desenho de redes temáticas possibilitou a operacionalidade das RAS e ao mesmo tempo apontou questões relevantes de articulação dos serviços e o desenvolvimento do trabalho nos territórios, conectando mais fortemente o tema à regionalização do sistema de saúde.

A gestão da saúde na Amazônia apresenta desafios cujas dimensões são determinadas também pelas especificidades regionais. A dificuldade de acesso, devido tanto
à extensão territorial quanto à precariedade dos meios de transporte e comunicação, soma-se à carência de profissionais e trabalhadores da saúde. Por outro lado, as estratégias de cooperação federal, normalmente, centram-se no aspecto financeiro e se embasam em métricas de eficiência e sustentabilidade pouco compatíveis com a realidade territorial e social da Amazônia.
Apesar disso, a região amazônica nos leva à necessidade de criação e inventividade, produzindo

inovação nos formatos de construção de projetos pedagógicos em saúde pública nesse contexto tão específico. Ela evidencia também, no plano dos pensamentos e do reconhecimento das tecnologias para o cuidado em saúde, outras formas de cuidar das pessoas e coletividades em condições de risco à vida.

Em estudo realizado com gestores da Amazônia, demonstrou-se a ausência de discussões nas atas da Comissão Intergestores Regional (CIR) sobre a otimização do acesso, mesmo quando os municípios partilhavam necessidades comuns. Os mesmos gestores enfatizam grandes espaços e obstáculos da geografia amazônica; dificuldades de deslocamento; grandes cheias; altos barrancos; e outros cenários que destacam o poder da natureza, vista como protagonista num contexto hostil, em que o dirigente se situa como personagem impotente diante de um inimigo incontornável. É relevante, nesse caso, que as características amazônicas sejam consideradas centralmente pela capacidade de gerar dificuldades, e não como desafio a ser superado com iniciativas locais, cooperação regional, estadual e nacional. A temática, por outro lado, se repete em diferentes contextos internacionais, quando se trata de expandir políticas públicas a populações remotas.

A Amazônia, por ter a maior bacia hidrográfica do planeta, tem em sua população ribeirinha seu maior representante, o que requer conhecimentos e experiências singulares da região. O termo ribeirinho, para esta análise, refere-se às pessoas que andam ou vivem às margens de rios ou ribeiras. É o indivíduo que vive fundamentalmente do rio, à margem do qual habita, e que depende dele para suas necessidades básicas de alimentação, transporte, trabalho e reprodução dos modos de vida.

Acessar os serviços de saúde, no cenário ribeirinho, não se refere à simples utilização dos serviços, mas a uma estratégia para diminuir as barreiras entre as pessoas e o sistema de saúde, com vistas a aproximar a demanda da população à oferta de serviços. É fato que a disponibilidade de serviços e ações constitui uma primeira dimensão relevante da condição de acesso da população, mas para esse grupo específico envolve também os elementos socioeconômicos e culturais que interagem com aspectos intersetoriais, com o regime dos rios (seca/cheia) e sua territorialidade e com os fatores relacionados às políticas de saúde de cada localidade. É importante ressaltar que as territorialidades, além de incorporar uma dimensão mais estritamente política, dizem respeito também às relações econômicas e culturais, pois estão intimamente ligadas ao modo como as pessoas utilizam a terra, como elas próprias se organizam no espaço e como dão significado ao lugar. Assim, inevitavelmente,
o acesso está relacionado, entre outros princípios, com a equidade.

Percorrer esse cenário de grandes distâncias no município de Boa Vista do Ramos (BVR), como na pesquisa empírica que mobilizou este estudo, e ouvir os atores sociais

envolvidos no processo (usuários, profissionais, pesquisadores e gestores) nos fez pensar em um modelo de pesquisa que precisa ser compartilhada e solidária, norteada pela pergunta: que desenho avaliativo representaria o acesso da população ribeirinha do município de BVR à rede de urgência e emergência (RUE)?

Aceitar que não há uma abordagem correta ou uma metodologia ideal para a avaliação, e sim uma composição de métodos e instrumentos organizados de forma a se atingir o objetivo de emitir uma avaliação em relação ao objeto ou ao sujeito social analisado, reforça o intuito de que a pesquisa seja compartilhada e participativa. As populações específicas demandam acompanhamento e responsabilização da gestão da saúde e de seus trabalhadores no cotidiano, sendo basilares as informações para planejamento, monitoramento e avaliação. Considerando, ainda, a ausência de estudos avaliativos que enfoquem a rede de cuidados com ribeirinhos em situação de urgência e emergência e as próprias características da região amazônica, objetiva-se, com este artigo, apresentar a elaboração de um modelo teórico-lógico de acesso de populações ribeirinhas à rede de urgência e emergência que amplie a capacidade de compreender esse contexto e elaborar iniciativas para a superação das condições de iniquidade verificadas.

MATERIAL E MÉTODOS

Um dos teóricos que mais contribuíram para o campo da avaliação em saúde foi Avedis Donabedian, que, por meio de suas produções, ajudou a converter os sistemas de saúde em um campo de investigação com ênfase no tema específico da qualidade da atenção à saúde. O autor se ocupou primeiramente com a avaliação da assistência médica com enfoque na “qualidade”, explicitando, em seguida, a avaliação da produção do trabalho médico em três dimensões: estrutura, processo e resultado. A estrutura corresponderia aos recursos materiais, humanos e organizacionais; o processo seria a relação entre profissional e usuário; e os resultados seriam os produtos das ações (consulta, exame, visita). Pistas para pensar o acesso e sua avaliação foram apontadas em outros estudos e traduzidas para a realidade ribeirinha neste artigo.

Para dar o ponto de partida na avaliação de uma intervenção, é preciso defini-la e estabelecer seu modelo lógico. Revisar detidamente os documentos que embasam o acesso aos serviços de saúde, seja no campo teórico ou das políticas públicas, foi o primeiro passo para o delineamento e para a formulação de escolhas a serem tomadas no desenho da pesquisa.
Também fez parte da revisão a literatura que estampa o cenário amazônico, suas gentes, seus

lugares, seus modos de vida e sua relação com a saúde. Em seguida, entre os pares, apoiadores e pesquisadores locais e internacionais, encontros foram regulados para o aprofundamento do estudo.

Este encuentro, por sí solo, busca generar conocimientos y tecnologías singulares y apropiados para la realidad sentida en el contexto de vida de las personas, diseño que permite un intercambio de ´miradas de investigación y de saberes, una puerta de escape del aislamiento (sea del mundo del trabajo o del estudio), invenciones creativas en el caminar metodológico sobre todo, el sentimiento de que la distancia entre el investigar, el vivir y el trabajar en salud son acciones que se permiten conexas y que generan un saber que no pretende ser una verdad absoluta, pero sí una vivencia.

Em “território líquido”, a atenção à saúde exige um “pensar e fazer” voltado às necessidades de suas populações específicas, que, por serem invisibilizadas, despontam com maior vulnerabilidade e risco aumentado à sua saúde. O território líquido é um dos analisadores qualitativos de políticas públicas de saúde para os cenários de atenção à saúde, presente na organização e no processo de trabalho adaptados à realidade amazônica.
Assim, tratamos o líquido como uma realidade concreta, mas também simbólica, que une as pessoas, conecta as realidades e que tem um tempo e mescla as histórias das pessoas com as histórias dos lugares. Nesse espaço, a avaliação necessita identificar com precisão o que será avaliado, quais características observar e medir, como pretende fazê-lo e o que fará com o juízo de valor emitido nesse processo.

Outro ponto de inflexão foi o da escolha da trajetória no campo da avaliação em saúde, entendida por muitos como um julgamento sobre uma intervenção ou sobre qualquer um dos seus componentes com o objetivo de auxiliar na tomada de decisões. Fazendo um ajuste nessa definição, o escopo do campo da avaliação pode ser maior, substituindo o conceito de “intervenção” por práticas sociais – em relação às quais as práticas de saúde podem ser consideradas, já que a avaliação toma por objeto desde as práticas do cotidiano até aquelas relacionadas ao trabalho. É preciso considerar, conforme Denis e Champagne, que toda ação social se desenvolve em um contexto de complexidade crescente, envolvendo vários atores sociais, portadores de papéis, interesses, lógicas e linguagens diversos, e não raramente contraditórios. A ação avaliativa é uma ação social específica, desenvolvida em ambientes complexos – programas ou serviços – nos quais não é possível atribuir significado específico a um elemento sem considerar a lógica e a interferência de outros.

Quanto aos aspectos éticos e legais, a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética, sob o CAAE n. 99460918.3.0000.5020. Este estudo respeitou as diretrizes e normas regulamentadoras

de pesquisa, as Resoluções n° 510/16 e nº 466/12. Com relação aos riscos e benefícios, o estudo teve risco mínimo, uma vez que o método de pesquisa não previu nenhuma intervenção ou modificação intencional nas variáveis fisiológicas, psicológicas ou sociais dos participantes.
Um dos pontos éticos ressaltados foi a “devolutiva” à Secretaria Municipal de Saúde, ao Conselho Municipal de Saúde, ao(s) boa-vistense(s) e aos servidores da rede pública de saúde.

RESULTADO E DISCUSSÃO

O modelo teórico-lógico, entendido como esquema visual que descreve os vínculos complexos entre os recursos, as atividades e os efeitos, representa o passo anterior ao da escolha dos métodos de avaliação. Na dimensão teórica, o acesso aos serviços de saúde pela população ribeirinha em situação de urgência e emergência é considerado pelos atores da pesquisa como um tensionador local. Vale ressaltar que não são objetos desta análise contextos macroanalisadores ou de políticas indutoras de acesso na prática dos serviços de saúde ou
da gestão, como a regionalização ou as RAS em seu componente indutor do uso dos serviços de saúde. Nesse caso, o acesso à RUE é descrito no dia a dia dos serviços das equipes e da população ribeirinha. A iniquidade de acesso aos serviços da RUE em território ribeirinho representa o tensionador do ponto de seguimento, instrumentalizando o olhar dos atores envolvidos para não só perceber a dimensão do problema, mas para encontrar soluções. Ainda na dimensão teórica, o cenário (contexto) de vida no qual a avaliação ocorreu é fundamental não só para qualificar o processo avaliativo, mas para pensar em políticas públicas mais inclusivas e exercitar a equidade no cuidado às populações. Pensar nesse contexto é adotar uma racionalidade técnico-sanitária que extrapola a organização do SUS gestada a partir do espaço urbano,
do deslocamento terrestre e das distâncias medidas por quilômetros.

Outro aspecto do componente teórico são os atores que transversalizam o acesso nessa realidade, como gestores (não somente da área da saúde), trabalhadores da saúde e população local. As diferentes perspectivas do acesso aos serviços e o entendimento do que é saúde compõem o mosaico de perspectivas a serem captadas no percurso avaliativo.

O momento de operacionalização do acesso corresponde à dimensão lógica do modelo, descrevendo a sequência de causa e efeito entre os elementos, numa lógica articulada em uma série de relações “se-então”. Para a operacionalização do acesso, no cotidiano de populações específicas, consideraram-se os pressupostos de Donabedian, que tem no acesso um dos aspectos da oferta de serviços relativo à capacidade de produzir serviços e de responder às necessidades de saúde de determinada população. Dessa forma, o termo está ligado à característica da oferta dos serviços ou do ajuste entre a oferta e a população.

O autor ainda distingue duas dimensões da acessibilidade: a sócio-organizacional, na qual os atributos – condição social, cultural, educacional ou econômica do indivíduo – influenciam significativamente o acesso à saúde, e a geográfica, dimensão que se refere a uma função do tempo e do espaço, como a distância física entre o usuário e os serviços.

Para a operacionalização do acesso em território específico foram utilizados também os três processos fundamentais: estrutura, processo e resultado. Para Silva Júnior e Mascarenhas, remetendo a Donabedian, a estrutura está relacionada a todo elemento relativo ao desenho institucional, à organização do sistema, ao elenco de ações ofertadas e à disponibilidade de recursos. O processo estaria relacionado ao conjunto de atividades e procedimentos empregados no manejo dos recursos, ou seja, à produção do profissional de saúde. O resultado se refere ao desfecho da atenção prestada ao indivíduo, ou seja,
às mudanças produzidas no estado de saúde da população. No modelo teórico-lógico proposto,
parte-se do pressuposto de que não há como operar a tríade de forma unidirecional. Deve-se considerar que a estrutura influi no processo, e este nem sempre guarda relação com o resultado,
daí a importância de análises desses componentes, mas sem perder de vista o contexto e a historicidade do objeto.

A elaboração do modelo teórico-lógico (adaptado de Cunha e Silva) representa, enquanto esquema visual, aspectos centrais da acessibilidade dos usuários ribeirinhos à RUE (Figura 1). A “imagem-objetivo” que o modelo reforça é a ideia de que nenhum fator, isoladamente, “causa” um efeito observado, sendo fruto de um número de aspectos que contribuem para
que ele ocorra. Na imagem, tal elemento é chamado de contexto externo. Os componentes que retratam as características da oferta de serviços, que podem facilitar ou dificultar o acesso dos usuários aos cuidados em saúde, são o sócio-organizacional, que inclui características da oferta de serviços, e o geográfico, que se relaciona ao espaço e pode ser medido pela distância e pelo tempo de locomoção, pelos custos de transporte e pela localização das unidades de saúde.
A organização ou desorganização do sistema de saúde/serviços e o respectivo acesso da população às possibilidades de cuidados representam importantes componentes de um sistema de saúde quando se efetiva o processo de busca e obtenção de cuidado.

A organização do sistema remete a critérios que buscam captar: (1) garantia do acesso à saúde na política de saúde local; (2) atenção básica como porta de entrada aos demais níveis de atenção; e (3) sistema regulador como ferramenta de facilitação do acesso à rede de saúde. A organização dos serviços contempla aspectos que oportunizam o acesso (acessibilidade) e que o dificultam (barreiras).
A acessibilidade organizacional corresponde a elementos facilitadores do acesso e do cuidado, seja do ponto de vista da estrutura das unidades de saúde ou de aspectos dos profissionais que compõem a equipe:

(1) horário de funcionamento das unidades de saúde; (2) existência de material para lidar com situações
de urgência e emergência; (3) existência de medicamentos para lidar com situações de urgência e emergência; (4) formas de acolhimento aos usuários pela equipe de saúde; (5) telefone como meio de comunicação próprio ou da prefeitura; (6) presença de sala de observação; (7) se a equipe da unidade de saúde está completa ou não; e (8) se há oferta de formação direcionada para urgência e emergência voltada ao desenvolvimento do trabalho dos profissionais de saúde e outros agentes sociais que atuam no socorro às vítimas. As barreiras organizacionais existentes se referem: (1) ao uso da classificação de risco no cotidiano; (2) ao tempo de espera para iniciar o deslocamento de pacientes em situação de urgência ou emergência; e (3) à oferta de sinal de internet nas unidades de saúde do estudo.

O componente geográfico tem destaque nesta avaliação por se tratar de um território específico e profundamente ligado ao ir e vir dos ribeirinhos. Nesse sentido, enquanto facilitadores do acesso, foram avaliados os seguintes aspectos: (1) proximidade das unidades de saúde das residências; (2) existência de transporte sanitário adequado para as situações de urgência e emergência; (3) oferta de combustível para transferência de pacientes; e (4) presença de motorista fluvial. Quanto às barreiras, estas se referem ao regime dos rios – isto é, à vazante ou cheia – e,
por conseguinte, ao tempo de deslocamento do usuário da unidade de saúde à sede municipal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para articulação e estratégias de pesquisa, bem como para “o despertar” da avaliação em saúde como proposta concreta de recorte deste estudo, foram fundamentais:

experiência prévia dos pesquisadores com a temática avaliativa; articulação com a gestão local; participação em fóruns de participação social em 2018 (Conferência Municipal de Saúde de BVR); financiamento para pesquisa; território desafiador; e compromissos compartilhados entre os atores na melhoria do SUS local e regional. À medida que os consensos se estabelecem, compõe-se uma rede de atores – nos campos operacional, de formulação e de implementação de políticas – para instituir ações voltadas à superação das condições restritivas ao acesso à saúde. Nesse sentido, a contribuição não é apenas local, pois também impacta na cultura de avaliação e no enfrentamento de problemas de acesso em outros contextos.

A incompletude deste estudo está atrelada à própria complexidade do cenário da pesquisa e de suas variadas interpretações – ora climáticas, ora de políticas públicas, ora de fluxos das pessoas –, bem como à dimensão e ao entendimento diversificado do que representam urgência e emergência. Para cada rincão ribeirinho, esse modelo, considerado como algo inacabado e que precisa de novas informações, poderá ser adequado para que represente cada realidade local. A incompletude da pesquisa também foi “potência mobilizadora” por pensar o estudo de caso único como densidade de teoria e por sua capacidade de se imbricar com a realidade empírica, condicionando-a para que seus resultados fossem passíveis de extrapolação para outros contextos de vida ribeirinha.

O acesso à saúde, justamente por ser complexo no escopo de ações, de sujeitos envolvidos e na sua própria conceituação, tem na eficácia, na eficiência e na qualidade dos serviços outras possibilidades de pesquisa junto aos trabalhadores (eficácia), aos gestores (eficiência) e aos usuários (qualidade dos serviços). Essas abordagens não fizeram parte desse modelo teórico-lógico, podendo mobilizar outros estudos que o complementem.

Marcadamente, o modelo proposto demonstra a composição de fatores que condicionam o acesso à saúde de populações específicas em situação de sofrimento agudo, contribuindo para subsidiar processos avaliativos robustos e envolvidos com um sistema de saúde que geralmente sofre com forte invisibilidade das políticas públicas. O modelo ainda se permite ser adaptado às diversas realidades ribeirinhas, aos inúmeros modelos avaliativos e interventivos, bem como pode ser um ponto de referência para se pensar em um acesso à saúde mais equitativo às populações ribeirinhas.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Nicolás Heufemann, Alcindo Ferla e Júlio Schweickardt.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Nicolás Heufemann, Alcindo Ferla e Júlio Schweickardt.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Nicolás Heufemann e Alcindo Ferla.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Nicolás Heufemann e Alcindo Ferla.

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Recebido: 22.4.2022. Aprovado: 15.9.2023. Publicado: 31.01.2024