Resumo

O objetivo deste estudo é investigar a frequência de cervicalgia e a associação com dependência do uso de smartphone e incapacidade cervical em graduandos de fisioterapia. Trata-se de um estudo observacional de corte transversal realizado com estudantes de fisioterapia de uma universidade pública do estado da Bahia, entre novembro de 2019 e fevereiro de 2020. Foram utilizados uma ficha de avaliação com dados sociodemográficos, o questionário Neck Disability Index (NDI) para avaliação da incapacidade cervical e o questionário Smartphone Addiction Inventory (SPAI-BR) para rastreio de comportamento dependente de smartphone. As análises foram conduzidas no pacote estatístico Epi-Info (V.3.5.2), sendo estabelecido nível de significância com valor de p < 0,05. A amostra foi composta por 150 estudantes de fisioterapia, sendo a maioria mulheres, com idade média de 22,0 ± 3,0 anos. A frequência de dor cervical no último ano ocorreu em 66% dos entrevistados, com associação estatisticamente significativa apenas para a variável de dor no último ano, em 97% dos estudantes, com o posicionamento cervical em flexão durante o uso de smartphone (p = 0,003). A frequência de cervicalgia nos últimos 12 meses foi elevada nessa população. Este estudo não encontrou associação entre essas variáveis com dependência do uso smartphone e incapacidade cervical em estudantes universitários, entretanto, revelou uma associação entre a frequência de cervicalgia no último ano e o posicionamento em flexão da coluna cervical durante o uso de smartphone.

Palavras-chave: Cervicalgia. Estudantes. Smartphone. Estudos transversais. Epidemiologia.

Resumen

El objetivo de este estudio es investigar la frecuencia del dolor de cuello y su asociación con la dependencia del uso de teléfonos inteligentes y la discapacidad cervical en estudiantes de pregrado de fisioterapia. Este es un estudio observacional, transversal, realizado con estudiantes de fisioterapia de una universidad pública del estado de Bahía (Brasil), entre noviembre de 2019 y febrero de 2020. Se utilizó un formulario de evaluación con datos sociodemográficos, el cuestionario Neck Disability Index (NDI) para evaluar la discapacidad cervical, y el cuestionario Smartphone Addiction Inventory (SPAI-BR) para evaluar el comportamiento dependiente de los teléfonos inteligentes. Los análisis se realizaron utilizando el paquete estadístico Epi-Info (V.3.5.2), con un nivel de significancia de p < 0,05. La muestra estuvo formada por 150 estudiantes de fisioterapia, la mayoría mujeres, con una edad media de 22,0 ± 3,0 años. La frecuencia de dolor cervical en el último año ocurrió en el 66% de los encuestados, con una asociación estadísticamente significativa solo para la variable dolor en el último año en el 97% de los estudiantes, con el posicionamiento en flexión cervical al usar un teléfono inteligente (p = 0,003). La frecuencia de dolor de cuello en los últimos 12 meses fue alta en esta población. Este estudio no encontró asociación entre estas variables con la dependencia del uso de teléfonos inteligentes y la discapacidad cervical en estudiantes universitarios, sin embargo, sí reveló una asociación entre la frecuencia de dolor de cuello en el último año y la posición en flexión de la columna cervical durante el uso de teléfono inteligente.

Palabras clave: Dolor de Cuello. Estudiantes. Teléfono inteligente. Estudios transversales. Epidemiología.

Abstract

This study sought to investigate the frequency of neck pain and its association with smartphone dependence and neck disability in physiotherapy undergraduates. An observational cross-sectional study was conducted with physiotherapy students from a public university in the state of Bahia, Brazil, between November 2019 and February 2020. Data were collected by means of an evaluation form with sociodemographic data, the Neck Disability Index (NDI) questionnaire for assessing neck disability, and the Smartphone Addiction Inventory (SPAI-BR) questionnaire for screening smartphone-dependent behavior. Analyses were performed using the Epi-Info statistical package (V.3.5.2), and a significance level of p-value < 0.05. The study sample consisted of 150 physiotherapy students, mostly women, with a mean age of 22.0 ± 3.0 years. Frequency of neck pain in the last year occurred in 66% of respondents, with a statistically significant association only for the variable pain in the last year in 97% of students with neck flexion positioning while using a smartphone (p = 0.003). Frequency of neck pain in the past 12 months was high in this population. This study found no association between these variables with smartphone dependence and cervical disability in university students; however,
it did reveal an association between frequency of neck pain in the past year and flexion positioning of the cervical spine during smartphone use.

Keywords: Neck pain. Students. Smartphone. Cross-sectional studies. Epidemiology.

INTRODUÇÃO

A cervicalgia é definida por dor e rigidez na região posterior do pescoço e superior às escápulas, ocasionada por desordens musculoesqueléticas1 de origem multifatorial, englobando condições individuais, psicossociais e físicas2. Sua prevalência no mundo varia de 16,7% a 75,1%. No Brasil, esse número chega a 20,3%, semelhante aos dados encontrados na Grécia (20,4%) e Espanha (19,5%) e superior aos dados encontrados nos Estados Unidos (4,4%)3. Por ser de causa multifatorial, já se discute a possibilidade de o uso prolongado de smartphone, assim como de outras tecnologias, atuar também como fator de risco para o desenvolvimento de distúrbios musculoesqueléticos, sobretudo na região do ombro e pescoço4-7.

A flexão cervical mantida por tempo elevado tem sido associada ao surgimento de quadros dolorosos agudos e persistentes nessa área5. O posicionamento do pescoço, com a perda da extensão da coluna cervical, é comumente observado nos usuários de smartphones4. Esse hábito pode contribuir para o estresse mecânico, desencadeando espasmos e déficits proprioceptivos7. Alta dependência de smartphone, especialmente entre estudantes universitários, tem sido encontrada em diversos países, com consequências negativas associadas aos distúrbios do sono, sintomas depressivos e de ansiedade8. Alguns estudos também buscaram determinar o nível de dependência de smartphone e sua relação com sintomas, tais como fadiga, desconforto e dor, além de alterações nas atividades instrumentais e funcionais de vida diária9-12. Xie et al.13 referem que as posturas adotadas durante o manuseio, a duração, a frequência do uso e as atividades desenvolvidas com os dispositivos móveis constituem fatores de risco para o desenvolvimento de dor cervical. Contudo, estudo recente de base populacional de corte longitudinal identificou que ao longo de cinco anos nenhuma associação foi encontrada entre o volume de mensagens de texto e os sintomas na região cervical relatados por jovens e adultos suecos14. Da mesma forma, um estudo transversal realizado no Brasil não encontrou associação entre “text neck” (pescoço de texto) e dor no pescoço em uma população de 150 alunos com idade entre 18 e 21 anos15.

Em universitários, pesquisas têm demonstrado que o tempo de uso do smartphone é maior nas faixas etárias em torno de 20 anos5. Alabdulwahab et al.7 observaram associação entre uso do smartphone e sintomatologias

cervicais, principalmente relacionadas à postura mantida de flexão. Shah e Sheth9 encontraram relação entre incapacidade cervical moderada e dependência do smartphone em alunos de fisioterapia de uma faculdade em Ahmedabad.

Diante do exposto, tendo em vista que a cervicalgia é apontada como a quarta principal causa de incapacidade16 e a divergência dos estudos relacionados a sua prevalência e aos fatores de risco associados, especialmente os relacionados ao uso de smartphones10,13, o objetivo deste estudo foi investigar a frequência de cervicalgia e sua associação com dependência do uso smartphone e incapacidade cervical em estudantes universitários do curso de fisioterapia de uma instituição pública de ensino superior (IES).

MATERIAL E MÉTODOS

Foi realizado um estudo observacional de corte transversal, na cidade de Salvador (BA), com universitários do curso de fisioterapia da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), campus I, alocados no Departamento de Ciências da Vida (DCV). O DCV é formado pelos cursos de enfermagem, farmácia, fisioterapia, fonoaudiologia, medicina e nutrição. O curso de fisioterapia é composto por 233 alunos, distribuídos ao longo de nove semestres. No início do curso são ofertados os componentes curriculares das ciências biológicas e da saúde, além das sociais e humanas. No decorrer do curso, os alunos têm acesso aos componentes relacionados aos conhecimentos fisioterapêuticos e biotecnológicos, além dos específicos de caráter teórico-prático. Nos dois últimos semestres, os estudantes têm de cumprir os estágios curriculares supervisionados.

Para o cálculo do tamanho amostral, realizado no programa OpenEpi17, tomou-se como base a população de 233 alunos de fisioterapia, considerando uma prevalência de 30% encontrada no estudo de Shah e Shelt9 e intervalo de confiança de 95%, sendo estabelecido o total de 136 indivíduos como o número amostral. Considerando possíveis perdas, foram acrescentados 10% sobre o tamanho da amostra calculada. Ela foi selecionada por critério de amostragem aleatória, utilizando um recurso de sorteio por meio do aplicativo Sorteador: nomes e números. Foram incluídos estudantes de ambos os sexos, regularmente matriculados no curso de fisioterapia, maiores de 18 anos e que utilizassem smartphone há pelo menos um ano. Foram excluídos alunos

com histórico de cirurgias ou traumas cervicais e com diagnóstico de doenças crônicas do sistema musculoesquelético, como artrite e fibromialgia, referidas pelo participante.

A coleta ocorreu no período de novembro de 2019 a fevereiro de 2020, pela pesquisadora principal e por entrevistadores previamente treinados para utilização dos instrumentos. Os dados primários foram coletados por meio de entrevista presencial. Foi aplicado um questionário estruturado para obtenção de informações relacionadas aos seguintes aspectos: sociodemográficos, hábitos de vida e comportamentais, tempo de uso do smartphone e sintomas musculoesqueléticos dolorosos.

As variáveis independentes corresponderam a idade; sexo (feminino/masculino); situação conjugal – solteiro(a), casado(a), divorciado(a), viúvo(a) –; cor/etnia autorrelatada (branco, negro, amarelo, pardo e indígena); semestre (1º ao 6º, 7° ao 12º); prática de atividade física (sedentário/ativo); horas de sono por noite (menos de três, de três a seis, de seis a oito, mais de oito horas); fumante (sim/não); horas de uso de smartphone por dia para uso acadêmico (até quatro horas, acima de quatro horas); posicionamento cervical autorreferido durante o uso (na maioria das vezes neutra/na maioria das vezes em flexão); presença de dor na região cervical nos últimos 12 meses (sim, não); presença de dor na região cervical há mais de três meses (sim, não).

A incapacidade cervical foi obtida com base no Neck Disability Index (NDI), instrumento utilizado para avaliar a incapacidade e a dor na região cervical durante atividades funcionais9, direcionado a sintomas subjetivos, atividades do cotidiano, participação social e atividades específicas da vida diária. É composto por dez itens, cada um com seis alternativas, graduadas de 0 a 5, em que zero é “sem dor” e cinco “pior dor imaginável”. A soma da pontuação resulta em um total máximo de cinquenta pontos e os graus de incapacidade são subdivididos em: sem incapacidade, quando a variação é de 0 a 4; incapacidade leve, de 5 a 14 pontos; incapacidade moderada, de 15 a 24; incapacidade grave, de 25 a 34; e incapacidade completa, de 35 a 50 pontos7. Neste estudo, a incapacidade foi categorizada em três graus: sem incapacidade, incapacidade leve e incapacidade moderada a grave, utilizando a mesma pontuação descrita acima.

A dependência de smartphone foi avaliada pelo questionário Smartphone Addiction Inventory SPAI-BR, que é um instrumento de rastreio

de dependência de smartphone, com 26 itens subdivididos em quatro subescalas: comportamento compulsivo, comprometimento funcional, síndrome de abstinência e síndrome de tolerância. A ferramenta disponibiliza alternativas de respostas dicotômicas (sim e não) para a classificação de sintomas que sugerem um comportamento de dependência8. O estudante foi considerado dependente quando a pontuação foi igual ou superior a sete, categorizada como comportamento com dependência. Já os valores menores que sete indicaram comportamento sem dependência. O tempo de uso do smartphone foi categorizado em até oito horas e mais de oito horas de uso, com base no estudo de Shah e Sheth9, e a posição cervical (posição neutra e flexão) foi autorreferida.

O banco de dados foi confeccionado no programa Excel e as análises foram conduzidas no pacote estatístico Epi-Info (versão 3.5.2). Foi utilizada estatística descritiva com o objetivo de identificar as características gerais e específicas da população estudada em relação aos dados sociodemográficos e de hábitos de vida e comportamento durante o uso do aparelho smartphone, além das respostas para os questionários utilizados. As variáveis discretas foram analisadas pela medida de frequência e expressas por porcentagens, e as variáveis contínuas pela média e pelo desvio-padrão. Para análise de associação entre as variáveis dor cervical nos últimos 12 meses e dor persistente há mais de três meses, variáveis sociodemográficas, hábitos de vida, posição cervical, tempo de uso do dispositivo móvel, dependência de smartphone e incapacidade cervical, foi utilizado o teste de chi-square Mantel-Haenszel, sendo estabelecido nível de significância com valor de p < 0,05.

Este trabalho seguiu a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), CAAE 20303519.9.0000.0057, sendo obtido o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para a participação no estudo.

RESULTADOS

Foram selecionados 161 estudantes, dos quais, seis se recusaram a participar da pesquisa, quatro não foram localizados e um foi excluído por história prévia de trauma cervical. Preencheram os critérios de elegibilidade 150 indivíduos, valor superior ao tamanho da amostra calculado, com média de idade

de 22,0 ± 3,0 anos, sendo 117 (78,0%) do sexo feminino. Detectou-se que 142 (94,7%) viviam sem companheiro, 149 (99,3%) não eram tabagistas e 86 (57,3%) faziam uso social de bebida alcoólica. Observou-se ainda que 77 (51,3%) eram ativos fisicamente e 88 (58,7%) dormiam entre três e seis horas por noite (Tabela 1).

Conforme a Tabela 2, do total de estudantes entrevistados, 99 (66%) relataram dor cervical durante os últimos 12 meses e 49 (49,5%) afirmaram sentir dor persistente há mais de três meses. Foi observado que 72 (48,0%) estudantes apresentaram um grau leve de incapacidade cervical, segundo o NDI. O tempo de uso do smartphone para atividades acadêmicas por um período de até quatro horas no dia foi relatado por 58 (38,7%) estudantes. Um total 138 (92,0%) participantes manuseavam o aparelho em uma posição fletida da coluna cervical e 88 (58,7%) apresentavam um comportamento dependente, de acordo com o SPAI-BR.

Dentre o total de participantes que relataram dor cervical no último ano, 81 (81,8%) eram do sexo feminino, 92 (92,9%) viviam sem companheiro, cinquenta (50,5%) eram sedentários, cinquenta (50,5%) faziam uso do smartphone para atividades acadêmicas por até quatro horas diárias, 64 (64,6%) apresentavam um comportamento dependente do dispositivo móvel e 63 (63,6%) tinham algum grau de incapacidade da coluna cervical. Todavia, não houve diferenças estatisticamente significantes entre os grupos, exceto para a associação da posição durante o manuseio, sendo a postura de flexão cervical mais prevalente (97%) que as demais (valor de p = 0,003) (Tabela 3).

Para o total de 49 participantes que relataram dor cervical superior a um período de três meses, 41(83,7%) eram do sexo feminino, 29 (59,2%) eram sedentários, 26 (53,1%) faziam uso do smartphone para atividades acadêmicas por até quatro horas diárias, trinta (61,2%) apresentavam algum grau de comportamento dependente do dispositivo móvel e 31 (63,3%) de incapacidade da coluna cervical. Durante o manuseio do aparelho, 47 (95,9%) mantinham uma posição fletida da coluna cervical não apresentando essas variáveis, associações estatisticamente significantes (Tabela 4).

DISCUSSÃO

Neste estudo, a frequência de cervicalgia nos últimos 12 meses em universitários do curso de fisioterapia foi elevada, apresentando associação significativa com o posicionamento da coluna cervical fletida durante o uso do smartphone. Não foram encontradas associações para os fatores dependência e incapacidade cervical, assim como para as demais variáveis descritas. Com relação à dor cervical persistente, também não foi verificada associação com as variáveis retratadas.

Estudos sobre a prevalência de cervicalgia apresentam resultados inferiores ao encontrado neste estudo. Weleslassie et al.18, investigando dor na região cervical nos últimos 12 meses em 419 estudantes de medicina na Etiópia, com média de idade semelhante à deste estudo, encontrou uma prevalência menor (49,2%). Um estudo3 realizado no Brasil, de base populacional, com seiscentos entrevistados com idade igual ou superior a 20 anos, verificou uma prevalência ainda menor (20,3%) de dor no pescoço nos últimos 12 meses, fato que chama a atenção por tratar-se de estudo de base populacional quando comparado à alta prevalência de dor demonstrada nos estudos com universitários.

Estudo realizado no Sul do Brasil com o objetivo de identificar os fatores associados aos sintomas musculoesqueléticos decorrentes do uso de smartphones em 522 universitários, com idade entre 18 e 26 anos, verificou que 61,5% apresentaram dor ou desconforto na região cervical nos últimos 12 meses,

resultado semelhante ao encontrado neste estudo (66%), com associação significativa entre tempo e postura ao usar o smartphone e a ocorrência de relatos de dor (p = 0,002)19. Frequência inferior foi observada por Namwongsa et al.5 ao avaliarem 643 estudantes na Tailândia. Os autores verificaram que a região corporal mais dolorosa relatada nos últimos 12 meses devido ao uso de smartphones foi o pescoço (32,5%). Além disso, durante o manuseio, a maioria relatou o posicionamento fletido da região cervical (82,7%), como também foi observado neste estudo, estando a dor associada à postura fletida (OR = 2,44, IC 95% 1,21-4,90).

Adicionalmente, além da postura em flexão, outra pesquisa4 investigou o ângulo cervical em 27 adultos jovens (12 homens, 15 mulheres) com média de idade de 20,6 ± 1,6 anos, sem dor e com dor cervical leve, durante o uso do smartphone. Foi observado que os ângulos de flexão da coluna cervical foram significativamente maiores no grupo com dor leve do que no grupo controle (p < 0,05). Bueno et al.19 também observaram maior chance de agravamento dos sintomas dolorosos na região cervical durante o uso de smartphone com ângulos maiores que 45° e 60° (p = 0,02) (p = 0,03), respectivamente.

Em contrapartida, estudo recente conduzido por Bertozzi et al.20 com o objetivo de determinar o impacto do uso de smartphone no comprometimento do pescoço e limitação funcional em 238 universitários com média de idade de 22,4 ± 2,2 anos, semelhante à deste estudo, encontrou uma frequência de 50,8% de dor leve e moderada, sem correlação significativa entre postura durante o uso de smartphone e cervicalgia e incapacidade cervical, assim como o estudo de Damasceno et al.15, que não encontrou associação entre “text neck” (pescoço de texto) e dor no pescoço em uma população de 150 alunos com idade entre 18 e 21 anos.

A literatura biomecânica descreve que durante a flexão forças compressivas ficam desviadas para frente, sobre o disco intervertebral, ocasionando achatamento discal anterior, maior instabilidade local decorrente do posicionamento das facetas articulares e distensão ligamentar posterior, causando estímulo mecânico, sem resposta inflamatória, porém levando a uma experiência dolorosa não patológica21. Quando as curvaturas da coluna se tornam exageradas e o suporte estrutural passivo é solicitado, podem ocorrer

distensão e deformação das estruturas de sustentação, tornando-as vulneráveis à lesão, ao desequilíbrio de força e à flexibilidade22. Uma protração da região craniocervical, se mantida por longo período, altera o comprimento de repouso funcional dos músculos, estressa a musculatura extensora e predispõe à fadiga e ao surgimento de pontos gatilhos23.

Com relação à dor persistente, não houve associação com a posição fletida da cervical nos participantes deste estudo, corroborando um estudo de coorte de cinco anos de base populacional com jovens adultos suecos, com idade entre 20 e 24 anos, que também não mostrou associação entre o volume de envio de mensagens de texto em um telefone celular e sintomas musculoesqueléticos, incluindo região cervical14.

Neste estudo, não houve associação significativa entre comportamento dependente do smartphone e dor no último ano, assim como entre comportamento dependente de smartphone e dor persistente. Entretanto, um percentual semelhante para dependência de smartphone também foi observado no estudo de Alsalameh et al.24, mas, diferentemente desta pesquisa, os autores encontraram relação significativa entre dor musculoesquelética, sobretudo de região cervical, e dependência de smartphone (p = 0,041) em 242 estudantes de medicina. Shah e Sheth9 também observaram associação positiva entre dependência de smartphone e incapacidade cervical (p < 0,001) em cem estudantes de fisioterapia, na faixa etária de 20 a 25 anos.

Com relação ao tempo de uso do aparelho, um estudo com 274 adultos brasileiros, com média de idade de 23 ± 6 anos, usuários de smartphones, identificou que a dependência esteve associada à quantidade de tempo de uso do aparelho ((OR = 1,172 (IC 95% 1,103-1,245) p = 0,000)) e à dor cervical ((OR = 1,766; (IC 95% 1,036-3,010) p = 0,037))25. Resultados divergentes aos encontrados neste estudo e nos citados anteriormente podem ser atribuídos à utilização de diferentes instrumentos para avaliar o grau de dependência do smartphone e ao perfil cultural das populações investigadas9,24,25.

Neste estudo, foi verificado que uma expressiva parte dos estudantes que sentiram dor nos últimos 12 meses e dos que referiram dor persistente manuseava o smartphone por até quatro horas por dia sem apresentar, no entanto, associação significativa com a cervicalgia. Estudo recente20 que identificou em universitários uma média de tempo gasto de 1,7 ± 0,9 hora por

dia usando o telefone sentado e 1,3 ± 0,6 hora em pé também não encontrou associação com cervicalgia e incapacidade cervical. Divergindo de estudos como o de Al-Hadidi et al.26, que encontrou uma correlação positiva entre o tempo de uso do celular para estudar, a duração da dor no pescoço (p < 0,001) e a intensidade do sintoma (p = 0,001), e o de Bueno et al.19, que verificou entre os estudantes que faziam uso do aparelho de quatro a cinco horas por dia tendência à maior pontuação para sintomas de gravidade do que aqueles com menos de duas horas de uso. A divergência dos resultados entre os estudos em relação à dor/incapacidade e ao tempo de uso de smartphone por dia parece refletir o recorte das pesquisas: no caso deste trabalho, o recorte foi limitado às atividades acadêmicas, e não às atividades gerais, dificultando as comparações.

Sabe-se que a dor é uma experiência individual, complexa, multidimensional, na qual vários fatores estão envolvidos, entre eles aspectos somáticos ou biológicos, psicológicos (cognitivos, emocionais e comportamentais) e sociais27, por isso é necessário investigá-la, sobretudo a dor persistente, por meio de um modelo biopsicossocial28. A contribuição de cada um desses aspectos no processamento da dor ainda é desconhecida, podendo cada um desses elementos favorecer o início dos sintomas, a manutenção ou o agravamento do quadro. Desse modo, analisar aspectos biomecânicos (como a postura) e comportamentais (como a dependência) constitui uma parcela da complexidade do estudo sobre a dor.

Durante décadas foi dada ênfase aos aspectos somáticos da dor. Atualmente, um olhar mais ampliado tem focado nos aspectos psicossociais e ambientais, dada a complexidade do fenômeno, em que diversos fatores interagem entre si. Estudos de natureza transversal, como este, não permitem inferir relação de causa e efeito, o que configura uma limitação desse tipo de trabalho. Novas pesquisas precisam ser realizadas com o objetivo de verificar o papel de cada uma dessas variáveis no surgimento da dor para que medidas mais efetivas de prevenção desse agravo e promoção da saúde possam ser estabelecidas, sobretudo na população adulta jovem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A frequência de cervicalgia nos últimos 12 meses e de dor cervical persistente foi elevada em graduandos de fisioterapia. Este estudo não encontrou

associação entre as variáveis com dependência do uso de smartphone e incapacidade cervical, entretanto, revelou associação entre a frequência de cervicalgia no último ano e o posicionamento em flexão da coluna cervical durante o uso de smartphone.

Esses resultados apontam para necessidade de medidas de prevenção e controle da cervicalgia nessa população, sobretudo por tratar-se de indivíduos jovens, ainda não inseridos no mercado de trabalho, para os quais a dor musculoesquelética pode se tornar autolimitante. Novos estudos, que abordem outros fatores biopsicossociais, são necessários, tendo em vista o caráter multidimensional da dor.

COLABORADORES

1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Loraine Brito Moreira e Silvana Maria Santos Pataro.

2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Loraine Brito Moreira e Silvana Maria Santos Pataro.

3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Loraine Brito Moreira e Silvana Maria Santos Pataro.

4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Loraine Brito Moreira e Silvana Maria Santos Pataro.

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Recebido: 10.3.2021. Aprovado: 5.1.2023. Publicado: 28.2.2023.